É um alívio (chego a dizer até que é gostoso) quando descobrimos que a aflição da gente é a aflição de muita gente.
Passei os últimos tempos aflito. Aflito com a minha obsolescência, na minha opinião, precoce. Como a visão de um lindo Maverick 8 cilindros, super bem conservado, na garagem.
As habilidades generalistas
Explico, sou nerd. Nerd raiz. Tecnologia sempre foi minha segunda língua materna (algumas vezes a primeira), mas antigamente eu tinha um monte de conhecimentos, habilidades e competências que me faziam sentir especial.
Eu sabia, por exemplo, ir para a maior parte das regiões de São Paulo, conhecia o nome da maioria das ruas importantes e, como bônus, ainda era hábil para manusear o famigerado Guia 4 Rodas de Ruas com suas mais de 1200 páginas, que se conectavam sabe-se lá como.
Tinha (e ainda tenho no armário) uma coleção de discos de vinil de fazer inveja a qualquer apaixonado por música e da minha estante brotava um acervo com os melhores filmes em fitas de videocassete ou DVD.
Sempre tive orgulho de possuir uma organizada agenda de datas e telefones importantes, com a qual não perdia a oportunidade de celebrar os aniversários e, sempre que precisava, tinha à mão preciosos contatos – um grande amigo, Mauricio Pastorello, sempre dizia “posso não saber, mas tenho o telefone de quem sabe”.
Tudo isso sem contar os registros fotográficos que minha Minolta era capaz de fazer, depois de esperar alguns dias pela revelação das fotos, é claro.
E quando estava à mesa… Sempre gostei de vinho, muito antes de ser moda. Posso até dizer que nesse tempo desenvolvi um paladar razoável. Uma análise visual, uma leve girada, o nariz dentro da taça, um pequeno gole e ao final meu parecer acompanhado de alguma sugestão de harmonização.
As tecnologias úteis
Hoje o smartphone, o Google, as mídias sociais, os aplicativos (Waze, Spotify, Netflix, Vivino, só para citar alguns) e outras tecnologias tornam a vida, a minha e a de todos, muito, muito melhor.
Mas as palavras aflição e obsolescência continuavam rondando por aí.
Um sentimento que, junto com algumas pessoas que acompanharam ao vivo grande parte das conquistas de Copas do Mundo pelo Brasil (por rádio, TV P&B e TV em cores), tenho conhecimentos e habilidades para responder perguntas e resolver problemas que a tecnologia pode fazer sozinha. O rei dos conhecimentos e habilidades inúteis.
Pontos de Inflexão
Todos esses produtos (e tantos outros) são resultado de viradas significativas da tecnologia que outros nerds de plantão costumam chamar de pontos de inflexão.
O microcomputador, a internet, o smartphone…
De uma forma ou de outra, cada um dos pontos de inflexão acima significou a aposentadoria de alguma habilidade específica minha e de outros seres humanos generalistas como eu, mas trouxe um bem enorme para todas as pessoas, além de um sem-número de oportunidades.
A Inteligência Artificial
Hoje, a Inteligência Artificial passou a ser parte da maioria das rodas de conversa.
Fantasia para alguns, mito para outros, medo para muitos, a Skynet (do filme Exterminador do Futuro) para grande parte das pessoas.
Mas ela está aí, ocupando mais ou menos espaço no nosso dia a dia.
“Quando o motorista de táxi está chamando sua atenção para um assunto, provavelmente você já está atrasado neste assunto”.
A frase preconceituosa acima parece fazer sentido quando passamos a ter a sensação de estar ouvindo sobre IA no táxi, mas ainda não estamos tirando proveito nas nossas vidas e negócios.
Falando especificamente sobre os nossos negócios, tenho a certeza de que o uso da Inteligência Artificial é muito mais do que uma onda. É uma mudança definitiva e traz uma era de transformações sem precedentes. Muda tudo! Um grande ponto de inflexão.
Daí a aflição, sempre ela, aparece novamente por sabermos que existe algo aí, ao alcance das mãos, mas parece que não sabemos por onde começar.
A sensação de ganhar uma caixa de brinquedos enorme, com ilustrações na embalagem de tudo que você pode montar, mas, ao abri-la, não ser capaz de juntar sozinho sequer duas peças. De sentir que pode ter todas as respostas, contudo não conseguir fazer a melhor pergunta.
Confesso, a IA, no meu caso, foi paixão a primeira vista, ou melhor, paixão ao primeiro prompt.
O Nexialismo
Dias atrás, tive uma conversa maravilhosa com Cristiane Castanheira, amiga “cabeção” maravilhosa, antenada em tudo. Eu, louco para falar das minhas descobertas deste novo mundo. Ela, falando sobre as coisas que estava vivendo, com brilho nos olhos se definiu como “nexialista”.
Posso dizer, até por tudo que citei acima, que dificilmente sou surpreendido por palavras, mas nexialista… foi totalmente novo para mim.
Palavra que a maioria dos dicionários não conhece (nem mesmo o dicionário do MS Word, que insiste em sublinhar em vermelho esta palavra neste texto).
Ela contou que o conceito não é novo e o termo “nexialismo” aparece no livro The Voyage of the Space Beagle, escrito em 1950, do canadense de ficção científica Alfred Elton van Vogt. Paciente, esta amiga citou exemplos, contou “causos” (sim, ela é mineira raiz) e deu profundidade ao termo, mas, a melhor explicação para mim, talvez tenha sido a mais simples:
Nexialista: aquele que traz nexo à solução dos problemas.
Aquela chavinha escondida que torna a montagem dos brinquedos da caixa muito mais fácil.
Fiquei encantado.
O Nexo da Inteligência Artificial
Café com leite, goiabada com queijo, pão com manteiga…
Inteligência Artificial com Nexialismo!
Veio para mim a imagem de uma orquestra composta por inúmeros especialistas em seus instrumentos, mas que, sem a figura de um maestro, não é capaz de entregar a experiência esperada pelo público.
O virtuosismo que vem da visão sistêmica, da criatividade apoiada na experiência, do conhecimento multidisciplinar e da liderança colaborativa.
De repente, as competências de saber aonde ir e como ir, saber escutar e assistir, saber se importar genuinamente com as pessoas e se conectar com elas, saber enxergar a realidade e capturar o que há de melhor ao redor, saber esperar, saber analisar as coisas e as suas conexões parecem fazer muito mais sentido exatamente no momento em que a tecnologia tinha tudo para diminuir sua importância.
Sinto que, entre a nostalgia pelas nossas habilidades e a vanguarda tecnológica da Inteligência Artificial, existe o espaço enorme e essencial para este maestro, segurando a batuta, indicando a direção e o ritmo, desviando dos obstáculos, pensando no todo.
Sinto que, num futuro muito breve, num futuro de IA presente em quase tudo que é humano, todos nós precisaremos ser aquilo que nem sabíamos existir pouco tempo atrás: nexialistas.
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