A moda sai de moda,

o estilo jamais.

Coco Chanel

Tenho coxas grossas.

Não pense aqui em nenhuma imagem provocante ou sedutora. Tenho bem perto de 1,90. Pernas longas e finas. Não é exatamente um conjunto maravilhoso de se ver (confesso que demorei 62 anos para entender isto).

Mas o fato é que tenho coxas grossas e não há nada que eu possa fazer a este respeito.

O problema disto é que existe um tipo de força que está sempre presente quando duas superfícies entram em contato, uma força que os nossos livros escolares nos ensinaram a chamar de “atrito”. Termo aprendido nos primeiros anos do Ensino Médio, mas presente na minha vida desde que aprendi a usar calças.

os últimos suspiros do velho jeans antes do adeus

Sim. Minhas calças rasgam na altura das coxas. Sempre.

Este tal de atrito acaba com todas as minhas calças em alguns poucos meses de uso.

Esta semana, estava separando o lixo reciclável para coleta seletiva que passa aqui por casa.

Uma caixa de papelão bem fechada. Curiosidade… abro e eis que encontro minha calca jeans, companheira de tantas jornadas, postada lá entre papéis, garrafas, latas e plásticos de todo tipo (quanto lixo a gente é capaz de produzir!!!)

Minha calça preferida no lixo descartável!

A Rita, minha mulher, mancomunada com a Cosminha (que é quem viabiliza a nossa casa), na calada da noite, entenderam que chegara o fim da história:

A calça já tinha cumprido seu papel e deveria ser descartada.

É claro que este assunto foi pauta de inúmeras discussões em casa.

– Você não tem vergonha de andar com este jeans todo rasgado?

– É o meu estilo. Além do mais, você quer que eu gaste uma fortuna em um jeans novo que já vem rasgado e não aceita as marcas que minha história fez no meu?

Minha sogra, que milagrosamente trazia este velho jeans de volta à vida, remendando as tais regiões de atrito, chegava até a desconfiar da minha real condição financeira.

– O Victor não tem dinheiro para comprar outra calça?

Fiz uma conta rápida… Se esta calça foi comprada em meados de 2016 e considerando que eu a usava de 2 a 3 vezes por semana, cheguei à estarrecedora conclusão de que ela me acompanhou por mais de 5 milhões de passos e suportou meu peso, sentado sobre ela, por aproximadamente boas 6.500 horas (o que seriam aproximadamente 9 meses ininterruptos). Tudo isto sem contar outras funções fisiológicas menos nobres que ela foi capaz de aguentar.

A cena daquela calça no lixo descartável foi como um chacoalhão para mim. Não exatamente pelo apego. Esta não foi a primeira vez e certamente não será a última em que a Rita decreta o fim da minha titularidade sobre alguns objetos.

Mas as palavras “fim” e “descartável” são pesadas demais.

Na cozinha, desde sempre procuro criar coisas gostosas mesmo quando a geladeira e a despensa não dão a menor oportunidade de imaginar isto. Olho para um chuchu quase passando do tempo e não imagino jogá-lo fora. Procuro pensar o que é possível de se fazer com ele. E geralmente sai alguma coisa. Normalmente boa.

Fico pensando quantas vezes não descartamos coisas, sentimentos e pessoas simplesmente por acharmos que elas são como um chuchu largado na geladeira.

Aceitar isto é aceitar que nós também, mais dia menos dia, também seremos descartados!!!

Vivemos em uma sociedade consumista. Sempre estamos precisando de novas coisas para sermos felizes. Estas coisas novas têm que ocupar um vazio. Mas logo estas coisas novas se tornam antigas, o vazio reaparece e precisa ser preenchido por mais coisas novas. E o que fazemos com as antigas?

Com os sentimentos parece que é a mesma coisa. Estamos sempre em busca de uma alegria nova. Uma emoção nova. Uma sensação nova. Principalmente em tempos em que precisamos compartilhar todas estas sensações, emoções e alegrias.

Mas acho que o que mais me dói é ver o descarte de pessoas. Nas nossas relações. No nosso trabalho então… ninguém mais tem paciência de consertar nada. Aliás a palavra paciência parece a antítese de eficiência e resultados quando se fala de pessoas no mundo profissional. Pessoas que, como meu velho jeans, nos acompanharam por milhões de passos, suportaram nosso peso por milhares de horas e aguentaram coisas que não mereceriam ser contadas aqui.

Millôr Fernandes descreve perfeitamente a admiração que temos pelo que é novo:

“Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem.”

Nos nossos negócios (e também neste outro negócio chamado vida) temos de tomar uma infinidade de decisões todos os dias. Substituição e mudança parecem ser sempre o caminho mais fácil. De coisas, sentimentos e emoções. Conserto e aceitação são sempre mais doloridos e trabalhosos.

Que pelo menos, antes do descarte, sejam feitas 3 perguntas:

  1. Tem conserto ou é realmente o fim?
  2. Cabe em outro lugar?
  3. Pode servir para outra pessoa?

Gosto muito do pensamento que diz:

“Tome café para mudar o que pode ser mudado. Chá para aceitar o que não pode. E vinho para diferenciar uma coisa da outra.”

Com muita tristeza meu jeans se foi, mas como seria bom se todos nós reciclássemos nossas ideias e tomássemos vinho antes de jogar “as coisas” fora.

Saiba mais sobre este espaço clicando aqui.