“Caminhar com bom tempo, numa terra bonita, sem pressa,

 e ter por fim da caminhada um objetivo agradável:

 eis, de todas as maneiras de viver, aquela que mais me agrada.”

 Jean-Jacques Rousseau


Mais do que uma caminhada…

Andorinha não voa com urubu.

Não, não quero aqui avaliar se andorinhas são melhores do que urubus nem vice-versa. Para falar a verdade não sei bem se estou mais para o lado dos urubus ou das andorinhas. Não sei, sequer, se há lado para estar.

A primeira vez que lembro de ter ouvido esse ditado foi lá pelo ano de 2009. Uma empresa, que atuava no mesmo mercado que a minha, propôs fazermos uma fusão. Antes de prosseguirmos juntos para o altar corporativo, uma conselheira da nossa empresa (que acabou se tornando uma amiga muito querida) soprou no meu ouvido o tal ditado. Conselheira serve para dar conselhos. Se eu não os seguir, para que eles servirão? Recuamos e a vida seguiu. O tempo verbal da segunda frase deste parágrafo mostra o quanto esta conselheira amiga estava certa.

Mas o fato é que, todas as vezes que me pus a fazer coisas com “diferentes” (pessoas com crenças, anseios, valores, desejos… diferentes dos meus), o resultado também saiu diferente. Diferente do que eu desejava. 

Ah, mas quando se constrói coisas com iguais… UAU!!  Difícil colher um resultado que não seja bom pra ca…ramba.

Peregrinos

Tornando a conversa longa um pouco mais curta, desde que a Rita me convidou para fazer o Caminho da Fé, em 2020, fizemos não sei quantas caminhadas, percorremos o caminho de Santiago e outros tantos caminhos, entramos na ACACS-SP – Associação dos Confrades e Amigos do Caminho de Santiago, enfim, nos tornamos peregrinos.

Numa mensagem de WhatsApp da ACACS-SP veio o convite:

Caminho de Monsenhor Alderigi – 57 km de 8 a 10/6.

– Vamos? Perguntei para a Rita.

– Já vou fazer o Caminho da Fé no final deste mês. Acho que fica pesado para mim. Respondeu ela decidida.

– Então vou sozinho, respondi cheio de coragem.

– Sei, respondeu ela lacônica.

Fui.

O Caminho de Monsenhor Alderigi

O Caminho de Monsenhor Alderigi é uma caminhada de 57 km em Minas Gerais, entre o município de Jacutinga e o Santuário de Santa Rita de Caldas.  O que não seria nada extravagante para se fazer em 3 dias caso o relevo fosse minimamente plano. Não é! Longe disso!

Caminho entre o difícil e o insano, mas que vem com o bônus de uma paisagem linda que nos acompanha para onde quer que nossos olhos apontem.

Neste texto não vou falar muito mais detalhes sobre o caminho ou sobre a organização primorosa da ACACS-SP e seus coordenadores (Zilene e Milton). Nem dos dias ensolarados, da recepção calorosa das pousadas ou da comida mineira sempre deliciosa. Vou detalhar isso em outro texto.

Quero falar sobre estar entre iguais e as coisas que descobri nestes dias.

Pela primeira vez, me coloquei a caminhar em um grupo de 25 pessoas com apenas um conhecido – um amigo que deve ter menos coisas na cabeça que eu por aceitar meu convite.

Premissas muito claras na cabeça.

Nada de interagir com os demais. Nada de fazer novas amizades. Ouvir muito. Falar pouco. Pensar, rezar, caminhar. E só.

Mas, contrariando a física, os iguais se atraem e encontram.

Um grupo de “iguais” se preparando para um dia intenso.

Tipos de peregrinos

Claro que, na hora da caminhada, os iguais não são tão iguais. Existem diversos tipos de peregrinos (*):

– Papa-léguas – mal começa e já está chegando (17%);

– Tagarela – conversa com os colegas mais que caminha (22%);

– Esponja – não pode ver um bar no caminho que já pede uma (11%);

– Click-click – qualquer paisagem é motivo para parar e tirar uma foto (34%);

–  Curva de rio – está sempre enroscando e puxando conversa com os moradores (18%);

– Fominha – só pensa no jantar (40%);

– Pescador – adora contar os seus “causos” das caminhadas anteriores (12%);

– Posto Ipiranga – tem de tudo na mochila (15%);

– Filósofos – a cada passo, uma reflexão, um aprendizado e um texto 🤦‍♂️.

(*) porcentagens definidas sem nenhum critério científico e baseadas única e exclusivamente na minha apuradíssima opinião.

Corredor Energético

Mas no fundo, cada um dos que coloca o “pé na estrada” (geralmente de terra), independente da forma como percorre o caminho, está em busca de algo parecido. Significado, reflexão, companhia, pertencimento, respostas para algumas perguntas silenciosas… E acaba usando a atividade física para acelerar esta busca.

Um corredor energético

Este monte de “iguais”, juntos, acaba criando um corredor energético que torna uma caminhada ordinária em algo extraordinário.

Este corredor acaba tendo um efeito terapêutico, não só pelos benefícios físicos que a caminhada traz. A roda de conversa, ao fim de um dia extenuante, acaba sendo um convite para compartilhar, de forma aberta ou velada, os diálogos internos que surgiram durante a caminhada.

Volto com aprendizados e reflexões que me levam de volta para um lugar de onde nunca devo sair – minha essência. E com sementes que, se regadas com persistência, podem permitir que eu seja uma pessoa melhor.

Acho que os corpos largados, com sorrisos radiantes, das pessoas no ônibus que nos trouxe de volta, reflete algo parecido em todos que caminharam juntos nestes dias.

O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada.

 Caminhando e semeando, no fim, terás o que colher.

 Cora Coralina

A volta ao começo

Um convite para uma vida menos complicada

No fim da jornada percebemos que nossa bagagem se tornou mais leve. Descobrimos que somos mais do que nossa conta bancária, do que as roupas bonitas que usamos, do que nosso perfil nas redes sociais, do que nossa agenda apertada, do que as coisas que compramos (muitas vezes sem precisar), das amizades com os “diferentes” para manter as aparências…

Obrigado a todos iguais pelas sementes que lançamos juntos.

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