As decisões

Continuar na trilha ou pegar um barco de volta?
As Decisões

Não sou especialista em decisões, muito menos na ciência por trás dos processos mentais que levam às decisões.

Aliás, adoraria ter a certeza de ter feito, na vida, sempre as melhores escolhas. Só que não.

Em resumo, as coisas sobre as quais vou falar a seguir não passam de devaneios, pensamentos e observações sobre a vida, ou ainda, sobre aquilo que faz nossa vida ser o que ela é.

A história

 – As meninas (pessoas incríveis que conheci numa caminhada no ano passado) vão fazer um trekking em Paraty. Deve ser lindo. Vamos?

Desde muito, deleguei para a Rita as decisões relativas à programação e aos passeios de fim de semana.

– Claro, respondi como quem clica sem ler no botão “concordar” dos termos de uso de alguma página de internet, sem atentar para o significado da palavra trekking.

Trekking: caminhada longa e difícil por terrenos acidentados e montanhosos feita com o intuito recreativo.

Se tivesse atentado, logo eu veria que as palavras caminhada – longa – difícil – terrenos montanhosos e acidentados não combinam com a palavra recreativo.

Caminho difícil e nada recreativo, onde a contemplação da paisagem era impossível pois o único pensamento era: onde posso colocar meu pé para o próximo passo sem tropeçar, cair ou rolar pela ribanceira?

Onde colocar meu pé sem tropeçar, cair ou rolar pela ribanceira?

Nada é tão ruim que não possa piorar.

A guia escolhida conseguia juntar a palavra “insuportável” à definição de trekking. Não pela disciplina ou rigidez. Mas pela absoluta incapacidade de lidar com gente.

Depois de uma noite contando cada parte do corpo, que se fazia presente em uma dor diferente, e pensando como seriam os 3 próximos dias, chegou o momento de decisão:

Continuar na trilha ou pegar um barco de volta para Paraty?

Encarar o inferno da convivência com a guia por mais 3 dias ou deixar minha mulher e amigas na mão?

Ficar e superar as dores do corpo ou desistir e aceitar as dores da alma?

Lutar ou correr?

Certezas

Sobre o assunto decisões, tenho apenas três certezas:

  1. Ninguém, em sã consciência toma, deliberadamente, uma decisão ruim. Ninguém acorda e, logo pela manhã já pensa: nossa, hoje acordei com uma vontade de fazer algo pelo que vou me arrepender durante o resto da vida;
  2. Por mais incomodo que possa parecer, todos os resultados que colhemos na nossa vida são consequências de nossas ações e nossas ações dependem das nossas decisões; (ver texto um fruto não cai longe do pé)
  3. Nossas decisões, por menores que sejam, são fruto da nossa percepção sobre as coisas à nossa volta. E esta percepção depende do INACESSIVEL.
INACESSIVEL: de onde a PERCEPÇÃO busca subsídios para tomar DECISÕES

INACESSIVEL

INACESSIVEL = Intuição + Necessidade + Atenção + Crenças + Emoção + Sentimento + Sabedoria + Instrução + Valores + Experiência + Limitações.

A forma como este conjunto destes fatores afeta nossa percepção é que nos torna capazes de tomar consciência de tudo que acontece à nossa volta tomar nossas decisões.

A relação entre percepção e decisão é uma estrada de duas mãos. Nossas percepções guiam nossas decisões e nossas decisões influenciam nossa percepção futura.

São tantos Ifs

Minha vida, na tecnologia, foi conjugar “ifs” nas mais diversas língua(gen)s.

  • If isso
    • Faz assim
  • Senão
    • Faz assado.

Simples assim.

Nestes anos todos, o que mais fiz foi juntar um monte de if’s e fazer uma série de assins e assados (principalmente “assados” – irresistível…) para conseguir os resultados, definidos previamente, que eu queria ou alguém determinava.

A maioria destas decisões técnicas acabaram produzindo o resultado esperado.

O bom é que, neste mundo controlado, com linguagens e regras estritamente definidas, é sempre possível saber se as decisões tomadas foram corretas. Basta testar com uma massa finita de dados, submeter estes dados às suas decisões e verificar se o resultado é o esperado.

E, ainda falando de tecnologia, quando o resultado não é o esperado, temos sempre a possibilidade de criar um programa QG (quebra galho) utilizando metodologia POG (programação orientada a gambiarras) para consertar os malfeitos.

Ah, se a nossa vida real nos oferecesse estes recursos.

O mundo da Inteligência Artificial

No mundo desta tecnologia muito especial chamada Inteligência Artificial, as decisões se baseiam em dados e algoritmos.

Dias atrás ministrei o curso de IA – os Primeiro Passos em que procurei apresentar como são feitos os algoritmos para fazer escolhas. A escolha da próxima letra, da próxima palavra da próxima frase.

Foi unânime, seja por falta de didática deste que vos escreve, seja pela dificuldade do assunto, foi o tópico mais mal avaliado do curso. E, neste caso, acho mesmo que o assunto é mais chato que o instrutor.

Mas, independente de como internamente a decisão é tomada, o fato é que para uma IA não é simples, mas é muito fácil fazer uma escolha. Sem nada INACESSIVEL. Só dados e o algoritmo.

No mundo real

Diferente do mundo da tecnologia, com suas decisões binárias e algoritmos, a maioria das nossas decisões são convites a queimar navios.

Ou você come o doce ou fica com o doce.

Ou você pega o trem ou deixa o trem passar.

Ou você mira o alvo e solta a flexa ou segura a flexa e espera outro momento.

Ou você continua na trilha ou volta de barco.

Tudo por conta do INACESSIVEL.

Quase nunca dá para testar. Quase nunca dá para voltar. Quase nunca dá para consertar. Não tem QG nem POG.

Os sommeliers de decisões

Se tomar decisões é difícil, mais difícil ainda é aturar as pessoas que querem tomar sempre as decisões por você.

Me faz lembrar uma velha, conhecida e de gosto discutível piada, que estereotipava consultores (profissão que admiro), mas que cabe bem para sommeliers de decisões:

Consta que um consultor, feliz depois de fechar um contrato milionário, andava por uma estrada no interior.

Passando por uma fazenda, deparou com um grande rebanho de ovelhas. Não resistiu, entrou na propriedade e abordou o pastor das ovelhas:

– Se eu te disser quantas ovelhas você tem aqui, você me dá uma?

– Dou, uai? Respondeu o pastor indiferente.

O consultor foi buscar seus equipamentos eletrônicos, fez conexão com a Starlink, abriu seu poderoso notebook, usou IA, alimentou planilhas e exclamou confiante:

– Você tem 874 animais. Acertei?

– Acertou, uai? Respondeu o pastor.

– Posso pegar minha ovelha?

– Pode, uai!

O consultor já ia levando o animal em seus braços quando o pastor perguntou:

– Se eu adivinhar sua profissão, você devolve?

O consultor pensou: Como ele pode saber minha profissão? Eu poderia ser qualquer coisa e ele não teria como adivinhar…

– Devolvo sim, respondeu o consultor.

– O senhor é consultor, afirmou o pastor com toda a tranquilidade e certeza do mundo.

O consultor ficou pasmo. E, enquanto devolvia o animal, perguntou:

– Como o senhor descobriu minha profissão?

O pastor respondeu:

– Primeiro, o senhor chegou aqui sem ninguém chamar;

– Segundo, o senhor só falou coisas que eu já sabia;

– Terceiro, o senhor não entende nada do meu negócio, o animal que o senhor estava levando é meu cachorro.

Somelier de Decisão: Alguém que chaga sem ser chamado, te diz só aquilo que você já sabe e não sabe nada da sua vida.

Pode-se substituir a palavra consultor por sommelier de decisão sem prejuízo nenhum a piada.

Os EOPs

Os sommeliers de decisão são difíceis de digerir, mas piores mesmo são os EOP – Engenheiros de Obra Pronta. Aqueles que sempre estão dispostos a te ensinar a fazer, de uma forma muito melhor (na opinião deles), aquilo que já está feito.

Se, de fato, nunca decidimos algo para nos arrependermos depois, muito menos, queremos ouvir, depois de uma decisão tomada, uma frase incriminatória, sempre formada por 3 três palavras:

– Eu já sabia!!!

– Eu te disse…

– Todo mundo sabe…

– Você devia ter…

Contato prolongado com EOPs fazem você se convencer da máxima:

Existem 2 tipos de decisão: As certas e as que eu tomo!

O arrependimento

Talvez um dos fatores que torna a tomada de decisão uma coisa tão extenuante é a possibilidade de constatar, depois de queimar os navios, que a decisão tomada foi errada e conviver com o arrependimento sem possibilidade de retornar à condição pré-decisão.

Cada escolha, uma renúncia.

Mas, no fundo, quando nos sentamos com nossos amigos e contamos nossos “causos” lembramos muito mais das decisões erradas que tomamos do que daquelas que nos levaram às grandes conquistas.

Os meus aprendizados

Ao final, decidi relacionar coisas que podem ser boas impulsionadores de decisão e deixar o INACESSIVEL mais acessível:

  • Decisão sem ação é uma péssima decisão;
  • Ouvir a opinião das outras pessoas é bom. Como benchmark;
  • Informação é tudo para tomar uma decisão;
  • Se tomar decisões fosse fácil, ninguém precisaria jogar cara ou coroa;

A melhor vem de um grande amigo:

  • Para tomar boas decisões é preciso aliar o poder do oxigênio ao poder da matemática:

Respire e conte até 10.

Em resumo

Se eu realmente soubesse fazer tudo que mencionei aqui, provavelmente estaria tomando uma taça de vinho em algum lugar paradisíaco e não fazendo você perder tempo lendo estas ideias.

Mas, se você quer saber qual a decisão tomada na praia de Pouso de Cajaíba…

Decidi voltar e, no caminho de volta, escrever este texto.

Este sou eu. Feliz. Dentro do ônibus, voltando para São Paulo.

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