“As palavras sempre ficam.
Lembre-se sempre do poder das palavras.
Quem escreve constrói um castelo,
e quem lê passa a habitá-lo…”
Trecho de: A Menina que Roubava Livros, Markus Zusak
Entre as madrugadas e as manhã
Talvez seja a idade, recentemente entrei na minha fase mais sexy. A fase sexyssagenária.
Não foi de um dia para o outro, mas, junto com este momento de vida, brotou um desejo de compartilhar ideias, histórias, aprendizados, experiências, alegrias e frustrações. Uma vontade que passou a acordar quase todas as manhãs comigo.
Não são raras as vezes que registro, em um papel qualquer que estiver à minha frente, um assunto, roteiro, frase ou palavra para depois brincar de lego e ir conectando estas anotações umas às outras. Às vezes é preciso esperar o banho acabar, é claro.
“O que” escrever brota em cada instante em que o olhar atento às coisas corriqueiras da vida supera a rotina.
Descobri que o “como” escrever também sai com certa facilidade quando sou capaz de colocar alegria, verdade e um pouco da minha alma na escrita.
Ah, como as manhãs são criativas e cheias de energia.
Mas as madrugadas… As madrugadas são cheias de dúvidas. Quantas vezes tenho sido acordado pelas perguntas mais “to be or not to be”:
Escrever “por quê”?
Escrever “para quem”?
E as comparações…
Sempre adorei ler. Nem lembro como comecei e, até mesmo em tempos de vício por redes sociais, quero sempre ter o conforto de um livro ao meu lado. Me fascina a viagem para onde alguns escritores me levam. Ver as cores, sentir os cheiros, os arrepios e as risadas.
A palavra bem usada é mágica pura.
O problema é que, quanto mais eu leio, mais tomo ciência da minha pequenez como aprendiz de escritor, que tem como única qualidade a paixão pela palavra escrita.
É bem possível que grande parte dos meus ídolos literários tenham passado por algo assim, em algum momento de suas carreiras. Infelizmente isto não tira a aflição das madrugadas.
Queria então usar este espaço para compartilhar minhas angústias das madrugadas e declarar aqui os 6 motivos que tenho para não escrever:
Porque pode ser que eu não tenha talento
Nunca alguém olhou nos meus olhos e disse:
– Este texto não está bom.
Precisa ser muito amigo para dizer uma coisa assim.
Confesso que na cozinha tenho a mesma dúvida sobre os pratos que preparo. Nunca tive uma reclamação. Mas na cozinha tenho meus truques. Começo o preparo quando as pessoas chegam geralmente já com fome. Lanço mão de temperos para deixar a cozinha perfumada. Demoro bastante para preparar o serviço. Enquanto isto sirvo um vinho, depois outro e, na hora de servir vem os comentários:
– A melhor comida que já experimentei…
– E você é meu melhor amigo…
Ah se eu pudesse apresentar as coisas que ponho no papel com o cuidado de deixar cada leitor com muita “fome” dos assuntos que vou tratar, encher o ar com o perfume das palavras bem temperadas e oferecer a intimidade, com a alma de quem lê servindo uma taça de vinho…
Porque é difícil e trabalhoso
Sempre sonhei com o glamour da escrita. Sentar à beira de uma paisagem linda. Receber a inspiração divina e fazer uso da palavra para resgatar esta inspiração. Bobagem… Escrever é trabalhoso à beça. Você precisa ficar conectado o tempo inteiro no propósito da sua mensagem, arregaçar as mangas e ir lapidando, palavra por palavra, até encontrar algo que faça jus e represente você.
Depois vem a hora de uma revisão, e depois, outra. E então você descobre que a revisão obrigou você a mudar o sentido de uma frase. E a mudança da frase obrigou você a mudar o contexto.
No final, o último desafio. Terminar.
Acredito que tenhamos que fazer algo parecido com o que fazemos quando reformamos nossa casa. Em algum momento temos que decretar o fim da reforma (ou invadir a obra), caso contrário ela nunca estará pronta.
Com nossos escritos precisamos fazer o mesmo, senão eles continuarão sempre em reforma.
É preciso respirar fundo, olhar para o seu texto e dizer:
– Você está pronto.
Porque eu nunca vou ser reconhecido pelas coisas que escrevo
Não, eu nunca vou ficar rico e famoso escrevendo.
Tenho consciência que, para cada autor de best seller, existe uma multidão de ótimos escritores que nunca sairão do anonimato.
Vamos pensar na chance de uma pessoa comprar um livro meu.
Primeiro é preciso criar coragem, compilar os meus escritos de uma forma que faça sentido. Vencido este enorme desafio, as estatísticas estarão completamente contra mim:
Supondo que uma pessoa leia um livro a cada 15 dias, ela leria 26 livros em um ano. Supondo ainda que o hábito de ler acompanhasse esta pessoa por 90 anos, chegaríamos ao número de 2340 livros lidos durante a vida. Mesmo dobrando este número ainda estamos falando de uma quantidade insignificante comparado aos quase 129 milhões de livros – e este número era de 2010 (fonte: exame.com) .
Levando isto em conta, a chance de o livro ser lançado, uma pessoa desconhecida saber disto, achar interessante, comprar este livro e assim eu conseguir vender um mísero exemplar é de pouco mais de 0,003%. Imagine vender 15.000 exemplares, que é a tiragem mínima para um livro ser considerado um best seller no Brasil.
Porque minhas ideias não importam para ninguém
Às vezes acho que as ideias que coloco no papel são como aquela peça de roupa de estimação. Eu não posso me imaginar sem ela. Tem um valor incalculável. Para mim e para mais ninguém.
Sim, não sou especialista nas coisas que trato aqui. Trato das coisas da vida que me tocam o coração. Aliás, se alguém disser que é especialista nisto, acho bom você duvidar.
Ouvi uma vez da maravilhosa Adélia Prado:
– Não sei muita coisa. O que eu vou falar aqui hoje são as coisas que eu desconfio.
Faço dos meus escritos um veículo para apresentar as coisas que desconfio.
E não sei se alguém se importa com isto.
Porque quanto mais transparente eu for, mais julgado eu serei
Quando saímos da escrita técnica e mergulhamos neste mundo de ideias, conceitos e sentimentos, nossa visão sobre o mundo fica totalmente devassada. Eu, como a maioria das pessoas, tenho opiniões sobre tudo. Mas particularmente sempre gostei de não precisar expressá-las. Isto me deixa numa região de conforto e me permite a troca de opinião, a neutralidade em algumas situações e até alguma incoerência sobre as coisas. Escrever o que penso marca uma posição. E, tenho certeza, não vou agradar a todos.
Porque nunca tenho tempo
Além do fato de as coisas menos importantes que tenho a fazer (trabalhar, dormir, me exercitar, comer, etc.) consumirem quase todo meu tempo, descobri a duras penas, desde que comecei a me dedicar à escrita, que existe uma maldição, que foi rogada há muitos anos pelos espíritos dos escritores invejosos que fazem com que, qualquer desavisado, ao se preparar para escrever, seja interrompido imediatamente.
Sugiro até um desafio:
Sente, uma ideia na cabeça, um copo de água, chá ou café ao seu lado e declare em alto e bom som:
– Vou começar a escrever
Ao mesmo tempo dispare um cronômetro. Você vai descobrir a real definição “fração de segundo” pois o telefone vai tocar, alguém vai chamar, uma mensagem urgente vai chegar. Aliás, agora mesmo vou ter que parar por uns instantes. Tomara que eu consiga continuar a partir daqui quando voltar.
Sobre o que mesmo eu estava falando?
Então, escrever por quê?
Pois é. Ainda bem que a manhã sempre chega e trás com ela uma razão para escrever, que acaba sendo mais forte do que todas as dúvidas.
Eu escrevo porque preciso, porque está na minha essência.
E você?
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