“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.

Cora Coralina

A Donna

Nós, lá em casa, temos o privilégio de sermos os humanos de uma border collie muito especial. A Donnatela ou simplesmente Donna.

Se dias atrás eu comentei que o cachorro-quente do Hot Pork só reitera a ideia de que o cachorro realmente é o melhor amigo do homem, a Donna dá significado para a palavra amigo.

A Donna (foto de Claudia Cardin)

Viver ao lado dela é sempre uma alegria.

Amor incondicional, disponibilidade, amizade.

A capacidade de nos receber sempre com paixão.

Acho que qualquer um que tenha um animal de estimação sabe bem do que estou falando.

Algumas pessoas comentam comigo que:

– A Donna é o cachorro mais educado que eu já vi.

Eu até poderia ficar horas aqui falando dos seus predicados:

Me chama para passear;

Senta e coloca ela mesma o pescoço pela guia;

Ouve a palavra “reunião” e já vai, rapidamente, para ficar ao lado da minha cadeira de home office;

Busca a bolinha e traz no pé de quem jogou;

O famoso “senta” e “fica” que uso algumas vezes (para fazê-la pensar na vida), com ela precisa ser usado com parcimônia pois, caso eu esqueça de liberá-la, pode ser que ela fique para sempre no lugar em que foi colocada.

Sim, border collie é uma raça de cachorros muito inteligentes.

Mas, o que as pessoas não sabem é que tudo isto tem que ser ensinado e repetido à exaustão.

Não tenho nenhuma intenção de comparar a Donna a nenhum humano, mesmo porque pode ser que ela seja mais humana do que alguns indivíduos que conheço.

Mas, brincadeiras a parte, ensinando a Donna vejo que o aprendizado é realmente uma via de mão dupla.

É preciso uma disposição para aprender (o que, no caso da Donna, não falta).

Mas é preciso também uma vontade genuína de ensinar.

Nesta pandemia, quando acabamos ficando mais tempo em casa, ficou claro que esta “vontade genuína de ensinar” tem que vir acompanhada de paciência. Muita paciência.

Uma paciência muito mais ligada a dedicação, disposição e serenidade do que a resignação e complacência.

A Repetição

Para fazê-la aprender que é preciso esperar o comando para só depois ela atravessar a rua, por exemplo, foi preciso repetir este ensinamento uma infinidade de vezes.

Imagine você sair para passear com seu cão e fazê-lo se sentar a cada esquina. Deixá-lo lá até ele se acalmar (e ter a certeza da que não vem nenhum veículo) para depois dar o comando “Vamos!” e acompanhá-lo correndo até a outra calçada.

Imagine agora que o passeio que ela gosta de fazer conosco tem 25 travessias de rua. Na ida. Mais 25 na volta. Haja paciência. Paciência esta que só existe pelo amor enorme que temos por ela.

Quem se beneficia de um treinamento como este é a própria Donna, pois ela acaba colocando uma barreira invisível, separando a calçada da rua e evita o risco de, um dia, encontrar uma roda de carro ou motocicleta na rua.

A responsabilidade é de quem ensina. O tempo tem que ser o de quem aprende.

Com este outro tipo de animal chamado gente deveria acontecer o mesmo.

Colocar a paciência e o cuidado a serviço do amor pela arte de fazer aprender.

Sabe aquela pergunta que tantas vezes quem esteve no comando do processo de aprendizado usou (ou pelo menos pensou):

– Quantas vezes eu vou precisar repetir isto?

A resposta tem que ser:

– Vai repetir (o que for preciso) tantas vezes quantas for necessário.

Sempre coisas novas

Outra coisa peculiar da Donna (dono de animal de estimação é sempre babão) é que ela está sempre com sede de aprender coisas novas. Toda semana ela precisa um comando novo, um treinamento novo, um estímulo novo.

Eu sou assim também. Nada pior de que uma vida sem aprendizados e desafios. Provavelmente as pessoas com quem convivemos também sejam assim. Mas, muitas vezes insistimos em colocá-las em caixas rotuladas:

– Tal pessoa não gosta de nada novo.

– O fulano é assim.

O reforço positivo

Aprendi também que o aprendizado fica mais intenso oferecendo um “reforço positivo”, com os pequenos acertos e doses de evolução. No caso da maioria dos cachorros que conheço é um biscoito, no caso da Donna é um carinho e uma brincadeira. Isto mesmo, além de fazê-la se sentar a cada esquina, dar o comando para atravessar, acompanhá-la correndo na travessia, é preciso elogiá-la todas as vezes.

As pessoas talvez precisem só de uma palavra, um olhar, um sorriso. Com as nossas equipes então, o modo “feed back (negativo)” está sempre “on”. E é mesmo uma obrigação nossa corrigir uma ação, fala ou pensamento ruim. Mas acho que com frequência esquecemos deste reforço positivo.

Aprender é descobrir aquilo que você já sabe. Ensinar é lembrar aos outros que eles sabem tanto quanto você.

Richard Bach

Olhando para mim, vejo que, também eu, aprendi a maior parte do que sei por meio da dedicação, disposição e serenidade das pessoas pacientes com quem tive a oportunidade de conviver.

a Donna e seu humano

Aliás, a Donna esteve ao meu lado durante todo o tempo que escrevi este texto. Ela me levou para passear logo depois que terminei.

Texto dedicado a todos os mestres, especialmente os amigos e professores pacientes, com quem aprendi e aprendo todos os dias.

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