Por Que Voltamos a um Restaurante?
Sou da cidade de São Paulo onde, segundo o Tripadvisor, existem mais de 25.000 restaurantes (mais precisamente, 25.819), sem contar os bares, lanchonetes, lugares de “comidinhas”, etc.
Supondo que eu saísse para almoçar e jantar fora todos os dias, eu levaria mais de 36 anos, nesta busca por novas experiências, até que pudesse conhecer todos eles, sem que fosse preciso repetir nenhum.
Sem contar que, durante este período de hipotética* gincana gastronômica, outros tantos restaurantes iriam abrir, o que me levaria a nunca concluir a tarefa, em um paradoxo parecido com o descrito por Zenão.
Enfim, matematicamente, para alguém que vive na minha cidade, seria possível viver a vida inteira conhecendo novos lugares. Na sua cidade, em maior ou menor grau, deve ocorrer o mesmo.
Por que então voltamos a um restaurante?
O Restaurante Tordesilhas
Dias atrás estava, com um casal de amigos, a procura de um lugar para jantar. Sugeri retornar, pela enésima vez, ao Restaurante Tordesilhas.
Sim, o lugar é lindo, os drinks perfeitos, o preço é justo e a cozinha é tão espetacular quanto a chef que a comanda: Mara Salles.
E desta vez, como das outras, a experiência foi maravilhosa. Ninguém fica no mercado por mais de 30 anos se não tiver competência.
Ou seja, além de o restaurante ser tecnicamente perfeito, existe alguma coisa mágica que suplanta as questões técnicas: a lembrança afetiva de como nos sentimos quando estamos lá.
Um Certo Bar no Leblon
Conversando (sobre comida, é claro) com um grande amigo carioca, comentei sobre um famoso bar, lá pelas bandas do Leblon, onde fui categoricamente ignorado. Comentei que devo ter dado azar no dia que estive lá. Esse amigo então me mostrou, até com um certo orgulho, que as pessoas (principalmente paulistas como eu), que não têm uma atitude tipicamente local, acabam sendo mesmo ignoradas.
– Se for esperar alguém te perguntar se você quer um chopp, vai acabar morrendo de sede. Você precisa entrar no espírito do lugar. Conversar com os garçons, se fazer notar. Frequento lá há anos. Para ser tratado como rei, você primeiro precisa entrar na corte e conviver bem.
É claro que, mesmo estampando um sorriso amarelo, jurei silenciosamente nunca mais voltar lá.
Mas, no fundo, o que ele dizia era exatamente a mesma coisa que eu.
O que queremos mesmo é nos sentirmos realmente especiais. Cada um à sua maneira.
O Outro Lado do Balcão
E aqui poderia ficar páginas e páginas escrevendo sobre experiências positivas e negativas, que tenho vivido nos últimos tempos.
Mas acho que o que precisamos mesmo é pular para o outro lado do balcão. Esquecer um pouco a questão técnica do que fazemos (e geralmente fazemos bem), para entender o quanto temos feito às pessoas, com quem nos relacionamos, se sentirem especiais.
Desde 1992 minha empresa constrói soluções de software. O que faz minha empresa ser a escolhida? O que a faz durar?
Li, certa vez, sobre coisas que devemos observar para escolher e voltar a um restaurante. Lembrei de algumas, devo ter esquecido várias e acrescentei outras por minha conta.
Acho que são boas provocações para entender porque conquistamos e conseguimos manter nossos preciosos clientes.
Um Jogo
Para ilustrar esta questão criei, por minha conta, um pequeno jogo com regras simples:
Instruções: Você entra num restaurante e recebe 10 happycoins (moedas cuja quantidade mede a sua felicidade por estar lá). Para cada item da lista abaixo que causar impacto negativo, subtraia a quantidade de happycoins sugerida. Caso esta quantidade chegue a zero, invente uma desculpa**, peça a conta do que foi consumido até então e vá embora.
Item | Happycoins | O Que Quer Dizer |
---|---|---|
Saleiro molhado e/ou entupido | -3 | Se ninguém olha para isso, será que um talher que caiu no chão (sem que ninguém tenha visto) vai ser lavado? |
Toalha desgastada | -4 | Os equipamentos da cozinha são os adequados? E os ingredientes? |
Banheiro sujo | -9 | Se o banheiro está assim, como estará a cozinha? |
Cardápio extenso e genérico | -2 | Provavelmente não faz nada de especial. A Rita, minha esposa, iria dizer: que preguiça… Prepare-se para comer algo, no máximo, OK. |
Funcionários do restaurante que estão conversando e, após você chamá-los, continuam conversando (como naquele famoso bar do Leblon…) | -6 | Sinal de que não estão se importando nem um pouco com a sua presença. Prepare-se para ser mal atendido. |
Equipe com uniforme desleixado, cabelo descuidado, palavreado inadequado | -5 | Estão lá exclusivamente para manter seus empregos, não para te oferecer o melhor. |
Tempo demasiado para ser atendido durante o serviço | -3 | Na nossa cabeça existe um cronômetro invisível que sabe, sem olhar para o relógio, o tempo adequado para sermos atendidos. Quando esse tempo é extrapolado (sem uma justificativa), começa um desconforto difícil de lidar. |
Algo deu errado. Como é a reação da equipe quanto a isto? | -10 até +10 | SH (shit happens)! A forma como o restaurante lida com os imprevistos pode nos transformar de críticos em fãs (e vice-versa). |
Café ruim (ou frio), erro na conta, manobrista desatento | -1 | O cuidado com os detalhes pode estar ausente. |
Agora É Com Você
E se o nosso cliente usasse esse mesmo tipo de critério, para avaliar os produtos e serviços da nossa empresa?
Acho que são boas provocações para começar o ano, o mês, a semana, a vida:
- Como anda o cuidado do meu time com aquilo que é caro para o meu cliente? Aquilo que vemos comunica o valor (ou a falta dele) naquilo que não vemos.
- Será que tenho um foco definido, ou tento oferecer um pouco de tudo para quase todos o tempo todo?
- Estou trocando produtos / serviços / tempo por dinheiro, ou oferecendo excelência?
- Como anda a atenção que é dada, de uma forma especial, para cada um dos nossos clientes?
- E quando algo dá errado (e sempre dará)? Esta é a hora da verdade. Como lidamos com problemas?
- Será que meu time está respeitando o tempo do cliente?
- Como estão os detalhes da minha operação? Será que TUDO está sendo pensado para oferecer uma experiência memorável?
Ou Seja, Negócios Feitos Para Durar…
Enfim, por que voltamos a um restaurante?
Porque, mesmo sem tangibilizar, sentimos que ele é feito para nós.
Será que o nosso cliente sente que o nosso negócio é feito para ele?
Saber a resposta desta pergunta com certeza vai nos ajudar a construir negócios feitos para durar.
* Nota 1
Esta ideia, além de me levar à falência e me tornar (provavelmente) um obeso mórbido, me tiraria o prazer de preparar meus pratos na cozinha da minha casa – que chamo carinhosamente de Cozinha di Quinta.
** Nota Bônus
Algumas boas desculpas para serem usadas ao deixar o restaurante (caso dê um branco na hora):
- O pessoal da tv a cabo acabou de me avisar que está indo lá em casa;
- Preciso dar banho na Donna – minha border collie (você pode usar o nome do seu animal de estimação, mesmo que não tenha um);
- Vou acabar perdendo o ônibus;
- Estou me preparando para correr uma maratona e amanhã tenho treino bem cedo;
- Ah, e sempre tem o “não estou me sentindo muito bem”.
Tudo acompanhado de um educado pedido de desculpas e de uma cara triste.
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